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O que sou agora e não hoje.
Aqui não sei escrever. Aqui não sou criativa, nem voa a minha imaginação nem se quer chego a ter algum mérito, dom ou aquilo a que chamam jeito. Aqui sou só alguém, não estou a aprender, ainda não posso ensinar. Nunca o deverei fazer.
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Aqui sou posta em causa, sou uma dúvida, sou constantemente desafiada sem existir qualquer desafio subjacente, sem existir qualquer ideia de conhecimento, de proximidade, de respeito até. Aqui fico, sem ter qualquer certeza do meu propósito, sem ter qualquer rumo, sem existir sequer qualquer vontade.
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Aqui, sou simplesmente um projecto de mim, um reflexo e uma coisa que se propõe todos os dias a ser nada. Aqui deixo-me ficar, diariamente, agarrada a uma esperança absurda de mudança. Aqui espero que mude, até para pior para ter finalmente uma missão, a razão para me ir embora.
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Aqui deixei de ser inteligente, deixei de ser filha dos meus pais, irmã dos meus irmãos, receptora de ensinamentos e de talentos. Aqui deixei de ser poeta, de amar as palavras e de as saber ditar.
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Aqui, não sou mais a menina nem chego a ser mulher. Aqui abandonei o meu espírito, larguei a minha alma, e apresento-me todos os dias, pelo meu corpo que ora está ora vai. Aqui duvidei pela primeira vez de mim e do que sou, duvidei do passado, do percurso, do crescimento, da sabedoria. Aqui fico, mas aqui não estou.
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(...) e depois a decisão. Nunca poderei recuperar a alma. Nunca poderei crescer até ser grande e imensa e a mulher que um dia quis ser e ainda quero ser e vou ser e sei ser. Não há indecisão entre a escolha de ter alma e o vazio. Não há dúvida. Hoje escolho-me e é altura de ir embora. Hoje decido por mim e num bate pé e murro na mesa furioso ganho a força que aqui deixei e levanto-me, num só gesto até à saída, até ao começo."
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Ana Maria
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