ANTI-ROMÂNTICO
De acordo com Freire, ao longo da História o amor esteve sempre inserido numa determinada ideologia, que direcionava seu foco de atenção. Na Grécia antiga, ele estava à serviço da verdade, da pólis. A cidade intervinha neste sentimento, que não podia ser autônomo como concebemos hoje. “O valor do amor para o grego era um valor submetido à idéia de verdade, da razão e do interesse pela pólis e da própria transcendência desse interesse pela pólis, como em Platão”, diz.
Segundo o autor, com a expansão do Cristianismo, a virtude foi desviada do mundo terreno e conduzida para a cidade de Deus, como pregava Santo Agostinho. Uma época de abandono dos interesses mundanos da cidade. Um amor ideal era exaltado. Com a chegada da cultura burguesa, buscou-se uma amor harmônico com a sociedade que se organizava. Como aponta Freire, as correntes rousseauísta concediam o amor apaixonado, eufórico, mas que depois viesse a se tornar mais sensato, cristalizado, voltado para a família. No mundo atual, com a descrença em grandes ideais coletivos, a humanidade, segundo aponta o autor, colocou a satisfação individual como o caminho para a felicidade. O único caminho.
O amor romântico se tornou a última porta para o homem encontrar a auto-realização. Centro de muitas expectativas, o amor foi colocado numa posição idealizada, tomando uma aura perfeita e eterna. “Como ninguém consegue preencher a contento tais papéis e funções — a não ser precariamente e por um pequeno período —, as expectativas idealizadas são sempre frustradas e o resultado é a oscilação entre a total descrença na possibilidade de amar e um culto cego ao romantismo (...)”, explica. Sobre a invenção do amor, a Psiquiatra Magaly Mendes destaca que toda a invenção tem por objetivo alcançar um fim, ou seja, desejar algo. “É mais do que evidente que aquele que ama deseja ser amado. É pelo amor do outro que amamos, seja este outro uma pessoa, coisa, idéia, Deus...”. Portanto, de acordo com a psicanalista, uma das funções do amor é preencher algo naquele que ama. Enquanto amamos, esta falta, este vazio, convertem-se num buraco obturado”, explica a médica.
A psicanalista também lembra que é preciso considerar sua natureza diversificada e mutável. Isto significa que se pode considerar o amor em sentimentos que vão desde a ternura, amizade, cuidado, apego até a dedicação absoluta e adoração. Nesta era atual, até o amor ficou globalizado, aponta a psicóloga Figuerêdo. Em outras palavras, o amor foi sendo aprendido. Os veículos de comunicação, como a televisão e o cinema, segundo considera, contribuíram bastante com este fenômeno. Embora haja uma consciência que não há nenhum Romeu ou Julieta na nossa vizinhança, existem muitos modelos de amor, idealizados através de filmes e novelas, em que a pessoa gostaria de se ver representando aquele papel ou seu parceiro o fazendo. Para ela, o importante é buscar a si próprio” e não seguir ou copiar modelos, salienta.
Na era do descartável, o amor-romântico também é afetado. Nas palavras de Jurandir Freire, há uma “banalização do novo”. O bom é o novo, quando o novo deixa de ser novo perde a graça e precisa ser substituído. “As pessoas não querem mais compromissos. Elas não olham mais para os outros como alguém com quem quisessem construir uma história de parceria, de ternura - tudo aquilo que o amor tem de mais elevado”. No ponto de vista do autor, tendo como base uma pesquisa que realizou, as pessoas se mostravam abertas ao amor, contudo diziam encontrar barreiras. É o medo de seu amor não ser retribuído pelo parceiro com a mesma intensidade. Como conseqüência disso, o que o psicanalista verificou foi um grande estado de apatia e de descrença em relação ao amor.
Talvez o autor esteja realmente certo. O curioso vai ser quando este sentimento que, segundo Freire, virou sinônimo de quase tudo o que se entende por felicidade individual estiver totalmente desacreditado, como considera. Sem importantes ideais coletivos, sem o grande ideal para a auto-realização, em que se apegará o ser humano das próximas décadas? Enquanto este dia não chega, o estado emocional, do amor-romântico, continua a ser tema de filmes, músicas e de textos, de esperançosos poetas. Inventado e reinventado, ainda lembrado.”
Jornal Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará - Sexta-feira 20 de novembro de 1998
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