Diário de Liv

quinta-feira, junho 07, 2007

"Arrumando a Casa"

"Quando se pensa que os tempos mudaram, ressurge com força total o assunto da poesia marginal, independente, ou de editora, jovem (ou não tanto), ocupando agora o espaço das editorias de cultura das revistas e jornais e até mesmo dos projetos de formulaçào da nova política culturalsocialista- trabalhista que seguramente vai esquentar o litoral carioca. Eu, que por volta de 72-75 tinha uma certa clareza sobre o tema, confesso que começo a sentir alguma dificuldade em pensar, com um mínimo de conforto, o "caso" poesia marginal. Olho em volta e vejo meus "companheiros de viagem" de então também cheios de ressalvas e prudências no trato com o assunto. É assim que aproveitando os ecos das últimas eleições, me proponho "arrumar a casa", discutindo "ao vivo", numa primeira conversa, com Carlos Alberto Messeder Pereira, autor da volumosa tese Retrato de época: poesia marginal, anos 70, defendia no Museu Nacional, à qual se seguirão outras no correr deste ano de 83.
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H.B.B. - Eu acho que uma primeira coisa curiosa que está dando para sentir com relação à poesia marginal é que seus críticos e legitimadores "oficiais" andam demonstrando um certo mal-estar diante do assunto. (...) A que se deve esse novo "cuidado" na praça?
C.A. - (..) O que me parece é que uma parte muito grande da poesia alternativa de hoje tem um valor muito mais sociológico - especialmente pelo agito, pela movimentação que promove - do que literário.
H.B.H. - O importante era exatamente a novidade do texto e a novidade da relação do poeta com a poesia. quando falo em novidade não estou falando do "novo", "ruptura", "invenção" como as várias vanguardas entendiam. A novidade vinha mais da ludicidade e do descompromisso como lema. E aqui leia-se descompromisso com o "acerto", com a dicção nobre, com o alinhamento em escolas, com programas políticos "didáticos", com a poesia com P maiúsculo das academias. O aspecto do jogo, do bom humor, da recuperação da primeira pessoa, do cotidiano. E isso vinha intimamente ligado com a atitude e o comportamento dessa geração que batalhava na linha da antiinstitucionalização latu sensu. A poesia alternativa que se faz hoje parece ter mantido a sugestão da publicação independente - fora das editoras - mas, por outro lado, traz cores e atitudes profundamente acadêmicas e institucionalizadas. Procura o prefaciador legitimamente, tem dossiers particulares de fazer inveja aos melhores portfolios das agências de publicidade, programas e idiossincrasias típicas da política literária do início do século, e, finalmente, um texto - na sua grossa maioria - neoparnasiano e moralista ou "facilmente" populista.
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'Os alternativos de hoje ostentam cores e atitudes cada vez mais acadêmicas'
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C.A. - A via do comportamento como possibilidade de intervençao crítica parece ter mudado de sentido com essa virada de década. Aliás, mesmo nos 70, o rendimento crítico do discurso calcado sobre o comportamento já não era homogêneo. Havia, por exemplo, o texto marginal que trabalhava o descompromisso num sentido mais crítico e, paralelamente, outro menos ágil, menos inovador, mais "universitário". Nesses casos, a crítica via comportamento não passava de uma repetição fria e descolada de alguns temas e gestos do desbunde. Naquele momento, a simples postura alternativa tinha um sentido crítico mais imediato, já que respondia a um Estado autoritário e com um projeto de modernização violento e excludente. Hoje esta questão do alternativo se tornou bem mais complexa. Vive-se um momento mais matizado de negociações, de institucionalização, o que exige uma desenvoltura que não é pequena. Era mais fácil localizar o inimigo...
H.B.H. - É engraçado, porque o alternativo de mais pique crítico de ontem se desenvolveu no sentido da conquista de mercado. E isso não quer dizer que "se entregaram". Ao contrário, parece que respondem ao movimento atual de "diálogo" (que o diga o Brizola). (...) O que não tenho visto mais é uma preocupação maior com o texto ou com a invenção em termos de atitude crítica. Acho que estou exercendo aquele terrível papel da "censura estética". Mas é por aí mesmo.
C.A. - Não é só uma questão de censura estética não. Embora a produção independente seja sempre um canal possível de expressão para quem não tem acesso garantido aos canais mais institucionalizados, dependendo do momento ela, em si, não tem necessariamente um valor crítico. Assim como a crítica apenas pela via da atitude não tem necessariamente sua eficácia garantida.
H.B.H. - Mas eu acho também que a poesia alternativa de hoje é uma outra coisa em relação aos grupos que nós trabalhamos dentro da movimentação da poesia marginal do período 72-78. Essa tomou um rumo próprio e está noutra. Agora, basicamente, nos livros.
C.A. - Você tem razão. O interlocutor real da poesia marginal carioca dos 70 não é essa produção alternativa, independente, de hoje, mas sim aquela produção poética paulista que se aglutinava em torno de revistas como Polém, Muda, Código e tantas outras. Inclusive as brigas e críticas aproximavam esses interlocutores e não outros. O que se tinha era, na verdade, a disputa entre uma certa concepção artesanal da produção cultural centrada na busca de uma linguagem informal e uma outra voltada para o registro do moderno, do técnico, do rigor teórico, de conteúdo mais programático, ligada à herança concretista."
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'O mais prejudicial à criação e à crítica é a intolerância ante a diversidade'
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HELOISA BUARQUE DE HOLANDA - Jornal do Brasil – Coluna B - 15 de janeiro de 1983

1 Comentários:

Às 10:24 AM , Anonymous Anônimo disse...

oi tudo bem? gostaria de saber se vc pode me indicar algum livro ou livros ou um caminho a seguir para q eu possa me aprofundar no tema da literatura marginal?

marcio_anjo_s@hotmail.com

obrigado

 

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