sábado, maio 31, 2008
"Há dias em que não sei quem sou, dias em que não reconheço quem me olha com sereno espanto no espelho. Mas nesses dias também sei que quem-não-sei-dizer-que-existe pode ser quem eu quiser. E eu posso permanecer esquecida numa almofada de sofá sem que a vida me incomode. A capacidade de sonhar é infinita, bem o sei. Mas e quando a mente está cansada de montar e desmontar acasos para nós e o coração se estreita mais um pouco de cada vez que a alma é fraca demais para realizar os sonhos? Mesmo quando não sei quem sou sinto quebrar-se qualquer coisa cá dentro quando a vida me faz tropeçar e cair, mesmo quando não sou eu que sonho sinto a alma cobrir-se de negro à certeza da impossibilidade dos acasos. E quando há dor na incapacidade de me reconhecer a vida sussurra-me ao ouvido que me perdi. Eu respondo calmamente que não posso estar perdida porque nunca senti o contrário. Sei porque é que não me reconheço. De cada vez que aquilo que construo cai ao chão e se estilhaça em mil pedaços perco um pouco de mim, desaparece um pedacinho de quem sou. Quando passo horas a tentar reconstruir tudo outra vez, quando fico com os dedos dormentes e gelados por estar a colar todas as peças e no fim elas voltam a desmoronar-se aos meus pés. Quando sinto que já não há nada a fazer. Sei que não me reconheço porque há um bocadinho de mim que fica esquecido no meio das peças quebradas."
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