Diário de Liv

segunda-feira, março 06, 2006

Homenagem II ...

CHICO BUARQUE
Ele já foi considerado 'unanimidade nacional', chamado de 'alienado' pelos tropicalistas e invocado como 'a voz dos exilados brasileiros'. Hoje, é 'apenas' uma referência obrigatória em qualquer citação à música brasileira a partir dos anos 60 e foi eleito recentemente o músico brasileiro do século. Esse é um mero resumo do papel de destaque na música nacional exercido por Francisco Buarque de Hollanda, ou melhor, Chico Buarque. Nos últimos quarenta anos, não há como separar a influência poética, harmônica e melódica de suas composições do amadurecimento da MPB. Chico também fica marcado na música brasileira como o homem que melhor conseguiu compor como mulher. 'Mulheres de Atenas' é uma das pérolas de seu lirismo feminino.
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No meio dos anos 50, Chico começa a dar seus primeiros passos no mundo da música. Os sambas tradicionais de Noel Rosa, Ismael Silva e Ataulfo Alves eram os preferidos do jovem Chico, junto com as canções estrangeiras, que faziam sucesso na época, de artistas como Elvis Presley e The Platters. Mas, sua relação com a música foi definitivamente influenciada por João Gilberto e seu disco Chega de Saudade. Chico dizia que seu sonho 'era cantar como João Gilberto, fazer música como Tom Jobim e letra como Vinicius de Moraes'. Mal sabia o garoto que, algumas décadas depois, ele desbancaria esses grandes nomes e seria considerado o músico do século no Brasil.
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Ainda sem se decidir pela música, Chico ingressou em 1963 na FAU - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Mas, sua turma gostava era mesmo de um bom samba e cachaça e, no terceiro ano do curso, Chico abandonou a faculdade. Em 1964 aconteceria a estréia de Chico na música, cantando 'Canção dos Olhos'. O ano seguinte delimitaria, definitivamente, a incursão de Chico Buarque no cenário musical do país com seu primeiro compacto - com a música 'Pedro Pedreiro' - e com o convite de Roberto Freire, diretor do TUCA, para musicar o poema 'Morte e Vida Severina', de João Cabral de Mello Neto. Chico tornava-se uma celebridade no país com várias de suas músicas inscritas nos festivais. 'A Banda', por exemplo, foi uma das vencedoras do II Festival de Música Popular Brasileira.
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Às vésperas do AI-5, que instauraria de vez um duro regime militar, os envolvidos na produção cultural eram 'obrigados' a tomar posições. Enquanto de um lado o tropicalismo propunha um rompimento estético com o belo e uma absorção do que também era considerado feio, a música de Chico tendia para o que ainda era bonito. Chico começou a ser criticado como 'alienado'. Sua música 'Bom Tempo' foi vaiada, pois não era possível falar em dias claros enquanto o céu brasileiro escurecia com a mancha da ditadura. 'Sabiá', uma parceria de Chico e Tom Jobim, recebeu a maior vaia da história dos festivais em 1968 e, mesmo assim, foi escolhida vencedora, desbancando o hino da oposição 'Pra Não Dizer que Não Falei das Flores', de Geraldo Vandré. Mas, a premonitória 'Sabiá' teria seu valor reconhecido tempos depois, quando se tornou um hino dos exilados brasileiros pela ditadura.
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Chico Buarque promoveu um auto-exílio em Roma. Em 1970, voltou ao país e lançou seu quarto LP. Chico deixou de lado o lirismo nostálgico e descompromissado que antes o identificava, e suas letras passaram a transmitir um protesto político mais duro ao regime ditatorial em que o Brasil estava imerso. 'Apesar de você' registra essa nova fase do compositor em uma referência implícita ao general Médici, então presidente da República. Muitas músicas de Chico começaram a ser barradas pela censura. Como forma de burlá-la, o compositor decidiu criar um personagem heterônimo chamado Julinho de Adelaide. A estratégia surtiu efeito e músicas como 'Acorda, amor' e 'Milagre brasileiro' passaram sem maiores problemas.
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Os anos noventa se anunciaram como um divisor de águas para parte daqueles que fizeram a MPB dos anos 60 e 70. Chico, Caetano e Gil foram segmentados e o popular perdeu a dimensão desses artistas, fazendo com que suas músicas ficassem voltadas para uma pequena parcela da população brasileira de classe média.
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Graziela Salomão
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Figuras do feminino na canção de Chico Buarque
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Na música de Chico Buarque a mulher é a eterna musa. Cantar com magia a sedução pelo feminino é a sua grande arte. Ele abarca desde a mulher dionísiaca, aquela que se oferece à felicidade plena, quase ingênua, à mulher da raça de Prometeu, racional e trágica como o próprio deus da civilização, do trabalho, da cultura e, também, da repressão. E há ainda, a mulher que encarna, a um só tempo, o papel de amante e guerrilheira, a exemplo de Bárbara, a amante de Calabar, que mantém viva a memória do morto cujo nome os portugueses apagaram de todo e qualquer registro. Ou a mulher de Atenas, prisioneira do inescapável papel social de "serva da espécie". É uma galeria interminável, modelada às vezes com suave lirismo, às vezes com dramas de separações dilacerantes, sempre com jogos de entregas, perdas, ambivalências e a infinitude da busca de felicidade, de amor.
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É esse universo que Adélia Bezerra de Menezes captura em Figuras do Feminino na Canção de Chico Buarque. A mulher surge como uma vigorosa metáfora da confluência do erótico e do político. Mais do que isso, emerge como o próprio eros de um povo que parece ambicionar, acima de tudo, a liberdade no prazer, independente do caos urbano, dos períodos de ditadura ou dos percalços pessoais. Em outras palavras, a imagem da mulher se sobrepõe a tudo: à cidade com suas multidões, às classes trabalhadoras, ao longo ciclo dos governos militares, ao futebol, ao carnaval e, assim, sucessivamente. Ela só não se sobrepõe ao próprio homem porque sem o masculino o elemento feminino se torna incompleto, sem a luz da chama que projeta o desejo para o infinito.
Em lugar de o que quer a mulher, ela pergunta: "O que querem a mulher e o homem?".
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Istoé Gente - 13/03/2002 - Francisco Viana - 06/11/2003

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