Diário de Liv

quarta-feira, maio 23, 2007

O que há de mais importante?

"Amei-te e por te amar só a ti eu não via... Eras o céu e o mar, eras a noite e o dia... Só quando te perdi é que eu te conheci... Quando te tinha diante do meu olhar submerso... Não eras minha amante... eras o Universo... Agora que te não tenho, és só do teu tamanho. Estavas-me longe na alma, por isso eu não te via... Presença em mim tão calma, que eu a não sentia. Só quando meu ser te perdeu vi que não eras eu. Não sei o que eras. Creio que o meu modo de olhar, meu sentir, meu anseio, meu jeito de pensar...
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Eras minha alma, fora do Lugar e da Hora... Hoje eu busco-te e choro por te poder achar. Não sequer te memoro como te tive a amar... nem foste um sonho meu... Porque te choro eu? Não sei... Perdi-te, e és hoje real no [...] real... Como a hora que foge, foges e tudo é igual a si-próprio e é tão triste o que vejo que existe. Em que és [...] fictício, em que tempo parado foste o (...) cilício. Que quando em fé fechado não sentia e hoje sinto que acordo e não me minto... [...] tuas mãos, contudo, sinto nas minhas mãos, nosso olhar fixo e mudo... Quantos momentos vãos pra além de nós viveu... nem nosso, teu ou meu...
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Quantas vezes sentimos... alma nosso contacto. Quantas vezes seguimos pelo caminho abstrato que vai entre alma e alma... Horas de inquieta calma! E hoje pergunto em mim quem foi que amei, beijei... com quem perdi o fim... aos sonhos que sonhei... Procuro-te e nem vejo o meu próprio desejo... Que foi real em nós? Que houve em nós de sonho? De que Nós fomos de que voz, o duplo eco risonho que unidade tivemos? O que foi que perdemos? Nós não sonhamos.
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Eras real e eu era real. Tuas mãos - tão sinceras... Meu gesto - tão leal... Tu e eu lado a lado... Isto... e isto acabado... Como houve em nós amor e deixou de o haver? Sei que hoje é vaga dor o que era então prazer... Mas não sei que passou por nós e acordou... Amamo-nos deveras? Amamo-nos ainda? Se penso vejo que eras a mesma que és... E finda... Tudo o que foi o amor; Assim quase sem dor. Sem dor... Um pasmo vago de ter havido amar... Quase que me embriago de mal poder pensar...
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O que mudou e onde? O que é que em nós se esconde? Talvez sintas como eu e não saibas senti-o... Ser é ser nosso véu... Amar é encobri-o, hoje que te deixei e que sei que te amei... Somos a nossa bruma... e pra dentro que vemos... caem-nos uma a uma as compreensões que temos e ficamos no frio do Universo vazio... Que importa? Se o que foi entre nós foi amor, se por te amar me dói ja não te amar, e a dor tem um íntimo sentido, nada será perdido... E além de nós, no Agora que não nos tem por véus viveremos a Hora virados para Deus. E n'um (...) mudo... Compreenderemos tudo."
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Fernando Pessoa

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