Diário de Liv

sexta-feira, dezembro 05, 2008

"Ode a pobreza"

.

"Quando nasci,
pobreza,
me seguiste,
me olhavas
através
das taboas podres
pelo profundo inverno.
 De prontidão
eram teus olhos
os que olhavam das brechas.
 As goteiras,
da noite, repetiam
teu nome e teu sobrenome
ou as vezes
o salto quebrado, o traje rasgado,
os sapatos furados,
me advertiam.
 Ali estavas
espiando-me
teus dentes de traça,
teus olhos de pântano,
tua língua cinza
que corta
a roupa, a madeira
os ossos, o sangue,
ali estavas
buscando-me,
seguindo-me,
desde o meu nascimento
pelas ruas.
 Quando aluguei um quarto
pequeno, nos subúrbios,
sentado em um sofá,
me esperavas,
ou no decorrer dos lençóis
em um hotel escuro,
adolescente,
não encontrei a fragrância
da rosa desnuda,
sim o silvo do frio
da tua boca,
Pobreza,
me seguistes
pelos quartéis e hospitais,
pela paz e pela guerra.
 Quando adoeci tocaram
à porta:
não era o doutor, entrava
outra vez a pobreza.
 Te vi tirar meus móveis
à rua:
os homens
os deixavam cair como pedradas.
 Tu, com amor horrível,
de um montão de abandono
no meio da rua e da chuva
ias fazendo
um trono desdentado
e olhando os pobres
recolhias
meu último prato fazendo-o diadema.
 Agora,
pobreza,
eu te sigo.
 Como fostes implacável,
sou implacável.
Junto
de cada pobre,
me encontrarás cantando,
baixo,
cada lençol
de hospital impossível
encontrarás meu canto.
 Te sigo,
pobreza,
te vigio,
te cerco,
te disparo,
te exilo,
te corto as unhas,
te quebro
os dentes que te restam.
 Estou
em todas as partes:
no oceano com os pescadores
na mina com os homens
ao limpar-se a frente,
tirar-se o suor negro,
encontram
meus poemas.
 Eu saio cada dia
com a trabalhadora têxtil.
 Tenho a mão branca
de dar pão nas padarias.
 Aonde vais,
pobreza,
meu canto
está cantando,
minha vida
está vivendo,
meu sangue
está lutando.
 Derrotarei
tuas pálidas bandeiras
aonde se levantam.
 Outros poetas
antes te chamaram
santa,
reverenciaram tua capa,
se alimentaram de fumo
e desapareceram,
Eu
te desafio,
com duros versos te golpeio o rosto,
te embarco e te desterro.
Eu com outros,
com outros, muitos outros,
vamos te expulsando
da Terra a Lua
para que ali fiques
fria e encarcerada
vendo com um olho
o pão e os ramos
que cobrirão a terra
de amanhã."
.
PABLO NERUDA

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