Diário de Liv

domingo, agosto 06, 2006

"Já sentiu saudade do que não viveu?"

Já sentiu saudades do que não viveu? Ou você é daqueles para quem o tempo não cede a deliberações, a condicionais, para quem o instante é o dos acontecimentos presentes, é o segundo vivido em toda intensidade? Pergunto porque já senti todo tipo de saudade possível: saudades do que vivi - e não vivi. Saudade até pelos outros! Saudades do que viveram - e não viveram. Saudade em todos os tempos e modos. Saudade renitente e obstinada. Saudades de sentir saudade? Já senti também. Senti quando supostamente não havia por que se lembrar, quando a vida me chamou pro presente de um jeito tão pretensioso, que achei um desperdício ficar cultivando certas lembranças; "coisa de velho", pra ficar no estereótipo, ou de "velho precoce", pra chegar no que muitas vezes sou.
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Fiz tantos planos nesses últimos tempos, que ando meio decepcionada comigo mesma, por não concretizar nem um terço do que planejei. A saudade entra aí como contraste, pelo tempo em que sonhar quase bastava; o sonho era, em si mesmo, uma forma de realização. Saudades dos sonhos românticos de pouco tempo atrás, das angústias intermináveis, da melancolia criativa que resistia heroicamente a sua inerente condição de dor, e sonhava com futuros brilhantes, com felicidade plena, com um grande amor. Não mudou muita coisa desde então. Alguns sonhos resistem, obviamente, outros se renovam, porque não deixei de fazer planos. No entanto, hoje, minha alegria - tão mudanda - tem um quê de fúnebre sordidez, porque assassina muitos dos ideais de ontem.
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A idade avança, na mesma proporção que a cobrança íntima: "É preciso viabilizar, edificar, concretizar", digo pra mim mesma. "É preciso fazer e acontecer", me diz esse mundo louco e competitivo em que vivo. E o que faço? Listas intermináveis de obrigações não cumpridas, retrospectiva de minhas melhores e piores lembranças. Sintoma de quem sente saudade, é fácil notar. De quem está buscando referências antigas para uma vida que não se fundamenta em seus próprios paradigmas. De quem, por fim, não se encaixa quase em lugar nenhum - e estaria até disposta a tropeçar nas mesmas pedras do caminho, se pudesse voltar a ser a menina que outrora foi (e a que nunca conseguiu ser).
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Roberta Tostes

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